Em pouco mais de um século de cinema brasileiro, há muita história para contar. A arte cinematográfica no país estimulou a imaginação popular com os primeiros filmes cantantes, fez o público rir com as chanchadas de Oscarito e Grande Otelo, chorar com os melodramas da Vera Cruz, refletir sobre os problemas sociais com o Cinema Novo e se emocionar com as premiações internacionais de O pagador de promessas e Central do Brasil. Desenvolvido em ciclos, o cinema nacional sobreviveu a diversas crises e lançou sucessos de bilheteria, a exemplo de Dona Flor e seus dois maridosCarlota Joaquina e Tropa de elite I e II, além de criar estrelas como Carmem Miranda e Sonia Braga. Saiba mais sobre essa história.

Os primeiros filmes


As primeiras imagens

Alfonso Segretto
O Brasil foi um dos pioneiros na arte cinematográfica. Em julho de 1898, o italiano Alfonso Segretto registrava as primeiras imagens para o cinema em terras brasileiras. O local escolhido para as filmagens foi a Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. A partir daquele momento histórico, que lançou as bases da cinematografia nacional, foram feitos muitos outros filmes no Brasil.
Mas durante os nove primeiros anos, o cinema teve pouca expressão no país, como atividade comercial de exibição de fitas importadas e como produção local. O comércio cinematográfico só começou a despontar em 1907, quando a energia elétrica passou a ser distribuída industrialmente no Rio de Janeiro pela Light (Companhia de energia elétrica). 
 
 
Os filmes cantantes

Os irmãos franceses Lumière foram os inventores da primeira filmadora: o cinematógrafo
No início do século 20, entre 1908 e 1912, as sessões de cinema eram realizadas em casas de espetáculo, que apresentavam também shows de mágicas e números de circo. Os filmes que faziam mais sucesso eram os chamados cantantes – espetáculos em que os atores se colocavam atrás da tela e sincronizavam a voz com as imagens.

Geralmente de curta duração, os 'filmes cantantes' apresentavam canções ou se apropriavam de espetáculos de teatro, revistas musicais e árias de óperas conhecidas. Havia também as sessões em que os filmes eram acompanhados pela música de uma orquestra. Naquela época, o cinema era um grande evento social.

A Bela Época

Com a chegada da eletricidade, em 1907, as salas de cinema se multiplicaram no Rio de Janeiro, então capital do país. As casas cinematográficas mais famosas eram o Chopp Cantante, o Cinema Pathé e o Cinema Parisiense, todas no Rio de Janeiro. O número de produções brasileiras também cresceu muito. Essa fase do cinema brasileiro ficou conhecida como Bela Época.

Documentários e ficções

Na primeira década do século, produziam-se dois gêneros de filmes: os documentários e os filmes de ficção. Os primeiros, conhecidos como naturae, eram realizados com base em fatos reais e, muitas vezes, reconstituíam crimes. Uma película que ficou muito famosa na época foi Crime da mala (1908), de Francisco Serrador e Alberto Botelho. O outro formato predominante, ficcional, constituía-se de filmes conhecidos como 'posados'. Eram, na maioria das vezes, baseados na literatura brasileira. O destaque fica com Guarany, de Vittorio Capellaro, de 1916.
Concorrência estrangeira 
Em 1912, o cinema brasileiro entra em sua primeira crise com a chegada das grandes companhias de cinema europeias e norte-americanas. Os cineastas nacionais não conseguiram concorrer com o cinema estrangeiro. Foi o fim da Bela Época.

Os ciclos regionais

Crise na produção

A chegada de filmes estrangeiros no país, em 1912, causou a primeira grande crise no cinema nacional. 
Não havia mais dinheiro para financiar a produção nacional, comproblemas de exibição nas salas de cinema, ocupadas pelos filmes norte-americanos, que predominavam no mercado mundial. A solução foi realizar filmes baratos, apresentados somente para o público local.  


Nessa época, para ganhar algum trocado, muitos cineastas eram contratados para filmar fazendas. O pouco dinheiro que ganhavam era aplicado em produções baratas de ficção.
 De 1912 a 1922, foram produzidos anualmente cerca de seis filmes de enredo, nem todos com duração de mais de 1 hora. Os principais realizadores do período eram Francisco Serrador, Antônio Leal e os irmãos Botelho.
Cavações
Os cineastas brasileiros sobreviviam produzindo documentários e cinejornais que levantavam recursos para os filmes de ficção. Eram as chamadas 'cavações', produções sob encomenda, muito comuns nessa época, nas quais empresas ou importantes famílias contratavam um cinegrafista e sua equipe para fazer um documentário institucional ou registro de casamentos e batizados. Entre as ficções desse tempo, destacam-se obras antológicas da literatura brasileira, especialmente as do período romântico.
Produções regionais
Em 1923, a produção cinematográfica, que se limitava ao Rio de Janeiro e a São Paulo, estende-se a Campinas (SP), Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em Cataguases (MG), o fotógrafo italiano Pedro Comello e o jovem Humberto Mauro realizam Os três irmãos (1925) eNa primavera da vida (1926). O movimento gaúcho, menos expressivo, produz Amor que redime (1928), um melodrama urbano de Eduardo Abelim e Eugênio Kerrigan. Em Campinas, destaca-se o drama regionalJoão da Mata (1923), de Amilar Alves.

O ciclo que mais produziu foi o pernambucano, com destaque para A filha do advogado(1926), de Jota Soares; Retribuição (1925) e Aitaré da praia (1925), de Gentil Roiz;Jurando vingar (1925), de Ary Severo; e Filho sem mãe (1925), de Tancredo Seabra.

A maior parte das produções dessa época era regionalizada e isolada. Por causa da falta de recursos, os filmes regionais não conseguiam chegar ao mercado nacional. Os cineastas paulistas, por exemplo, não sabiam o que estava sendo produzido no Rio Grande do Sul ou em Pernambuco. Essa época ficou conhecida como os 'ciclos regionais'. Apesar do isolamento, os filmes regionais eram muito parecidos entre si, pois copiavam o modelo hollywoodiano.
Os famosos
Os principais filmes dos 'ciclos regionais' foram: Fragmentos da vida(1929), de José Medina; Pitoto 13 (1930), de Achilles Tartari, e São Paulo, Sinfonia da Metrópole (1929), de Rudolf Lusting e Adalberto Kemeny.




Você sabia?
O primeiro filme brasileiro falado foi a comédia musical Acabaram-se os otários (1929), de Luiz de Barros. O sistema Movietone, que possibilitava gravar o som no próprio filme, só foi introduzido no país em 1932, no curta-metragem Como se faz um jornal moderno,produzido pela Cinédia.


s musicais carnavalescos

Sob o controle estatal

Na década de 1930, o Estado começou a intervir na arte. Essa ingerência é decorrente da Revolução de 1930, que transfere o poder da oligarquia rural para os setores urbanos da classe média, uma burguesia industrial emergente. As autonomias estaduais – suporte das tradicionais famílias oligárquicas – começam a perder força. É o início da constituição do Estado brasileiro como Estado nacional, com a crescente centralização do Poder Executivo federal nas políticas econômica e social. A instauração do Estado Novo (1937-1945), que impôs ao país uma nova Constituição de tendência fascista, consolidaria esse processo.

Centralizador e defensor da industrialização no país, o presidente Getúlio Vargas implementa uma série de reformas de caráter social, administrativo e político. A propaganda política passa a ser um dos pilares do seu governo, que cria o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), um órgão de censura e divulgação – uma espécie de 'Ministério de Marketing' – do projeto nacionalista do Estado Novo. O sonho de transformar o Brasil em um país industrializado engloba, além do rádio e dos meios impressos, o cinema, que busca se firmar como indústria de entretenimento.
Leis protecionistas

Esse projeto ganha força com a mudança na legislação do cinema, instaurada por Getúlio Vargas para proteger a produção nacional: em 1932, o governo decreta a lei que obriga a exibição de cinejornais brasileiros (curtas-metragens) durante as sessões de cinema e, em 1939, institui a lei que impõe às salas de cinema uma cota mínima de exibição para filmes brasileiros. A política protecionista é adotada porque o cinema é visto por Vargas como um veículo estratégico de persuasão, que deve ser controlado e estimulado.
Do rádio para as telas

Carmen Miranda
Depois de uma década de ostracismo, o cinema nacional toma novo impulso com o início da era dos musicais. Nos anos 1930, são criadas as companhias cinematográficas cariocas Cinédia (1930), Brasil Vita Filme (1934) e Sonofilmes (1937). Esse período foi marcado por filmes musicais produzidos, principalmente, pela Cinédia, que inaugurou no país o modelo de estúdio de porte e lançou muitas cantoras de rádio no cinema, como Carmen Miranda, Dircinha Batista e Aurora Miranda.

Nesse período, a Brasil Vita produziu Favela dos meus amores(1935), um extraordinário êxito popular e de crítica, e Cidade mulher (1936), que tem a única trilha escrita por Noel Rosa para o cinema, ambos dirigidos por Humberto Mauro. Da Sonofilmes destaca-se o musical Banana da terra (1939), de João de Barro – película em que Carmen Miranda aparece cantando O que é que a baiana tem?, de Dorival Caymmi.
Os títulos eram lançados no final do ano, às vésperas do carnaval, para divulgar as marchinhas que, cantadas por diversos intérpretes, seriam sucesso garantido. Essas músicas também eram gravadas em disco e veiculadas nas rádios, o maior meio de comunicação de massa na época. Assim, as músicas carnavalescas eram amplamente difundidas no país. 

Os musicais da Cinédia

Os primeiros estouros de bilheteria da Cinédia foram os musicais Alô, alô, Brasil! (1935), de Wallace Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro; Estudantes (1935), de Wallace Downey; e Alô, alô, Carnaval (1936), de Ademar Gonzaga, todos estrelados por Carmen Miranda. Esses filmes, mais tarde batizados de 'musicais carnavalescos', contavam com astros e estrelas do rádio e alguns entrechos cômicos.

A Cinédia também foi responsável por títulos como A voz do Carnaval (1933), de Humberto Mauro, que marcou a estreia de Oscarito na tela; Limite (1931), de Mário Peixoto, de pouca aceitação popular, mas hoje considerado um cult e um marco do cinema experimental; e O ébrio (1946), de Gilda de Abreu, com o cantor Vicente Celestino. Outro destaque do estúdio foi o cineasta Humberto Mauro, cujos filmes tinham um forte lirismo. Suas principais realizações foram Lábios sem beijos(1930), a primeira produção da Cinédia, e Ganga bruta (1933).

A companhia fundada por Adhemar Gonzaga (1901-1978) teve seus anos de ouro entre as décadas de 1930 e 1940. Após o grande sucesso de Alô, Alô, Carnaval, o estúdio carioca procurou diversificar sua produção, lançando a comédia musical romântica Bonequinha de seda, de Oduvaldo Vianna, em 1936, outro grande sucesso. A boa aceitação do filme, no entanto, não foi suficiente para ampliar a atuação da Cinédia no mercado cinematográfico e colocá-la num patamar capaz de competir com as superproduções de Hollywood.
Carmen Santos: primeira cineasta mulher no Brasil
A diretora e atriz Carmen Santos fundou o estúdio Brasil Vita Filme para competir com a Cinédia, em 1934. Portuguesa, veio ao Brasil com 8 anos de idade. Aos 15, já estrelava o seu primeiro filme, Urutau. Ambiciosa, dirigiu o filme Inconfidência Mineira (1947), que demorou dez anos para ficar pronto.

O ciclo das chanchadas

As chanchadas da Atlântida

Depois dos filmes musicais carnavalescos, foi a vez das chanchadas – comédias populares, baseadas nas famosas peças do teatro de revista – ocuparem as telas do cinema nacional. A inauguração no Rio de Janeiro da Atlântida Cinematográfica, em 1941, marca o início do ciclo das chanchadas, que duraria mais de vinte anos. Fundada por Moacir Fenelon e José Carlos Burle, a Atlântida tinha como objetivo promover o desenvolvimento industrial do cinema brasileiro. A ideia era produzir filmes em grande escala, favorecendo a união do cinema artístico com o popular.

Nos dois primeiros anos após sua fundação, o estúdio produz cinejornais e documentários. O média-metragem Astros em desfile (1942), de José Carlos Burle, uma espécie de parada musical com artistas famosos da época, lança a fórmula com a qual a companhia cinematográfica faria sucesso nos anos 1940: a produção de histórias simples intercaladas de números musicais, com o único pretexto de ambientar o carnaval no filme.
Primeiro grande sucesso
Em 1943, com Moleque Tião, a Atlântida alcança seu primeiro grande êxito de bilheteria. Dirigido por José Carlos Burle e com Grande Otelo como protagonista, o filme é inspirado na biografia do ator. Hoje não existe uma cópia sequer da película, cujo enredo voltava-se às questões sociais, em vez de apenas divulgar números musicais.

De 1943 a 1947, a Atlântida consolida-se como a maior produtora do país, produzindo 12 filmes, entre os quais se destacam Gente honesta (1945), de Moacir Fenelon, com Oscarito no elenco; Não adianta chorar (1945), de Watson Macedo; Tristezas não pagam dívidas (1944) e Gol da vitória(1946), estes dois últimos dirigidos por José Carlos Burle.

Cena do filme Carnaval no fogo
Em 1947, a chanchada ganha sua forma definitiva com Este mundo é um pandeiro, de Watson Macedo, que combina os elementos básicos do gênero: paródia ao cinema hollywoodiano com crítica bem-humorada aos problemas sociais do país, tudo isso alinhavado por números musicais. Além desses ingredientes, os enredos eram enriquecidos com a tradição humorística de astros e estrelas vindos do teatro de revista e do rádio. O filmeCarnaval no fogo (1949), de Watson Macedo, foi um dos grandes sucessos da época.


As estrelas da chanchada
Grande Otelo, Zezé Macedo, Dercy Gonçalves, Oscarito e Ankito

As comédias chanchadescas eram estreladas por atores como Oscarito, Dercy Gonçalves, José Lewgoy, Zezé Macedo, Zé Trindade, Renata Fronzi, Ankito, Violeta Ferraz e Grande Otelo, entre outros humoristas que tinham grande empatia com o público. A cada filme eram apresentados personagens cômicos interpretados por artistas com o gestual derivado do circo e do humor revisteiro, elementos familiares ao gosto popular. A dupla mais famosa dessa época era Oscarito e Grande Otelo, verdadeiros fenômenos de bilheteria do cinema brasileiro.

Década de 1950
 
Apesar de a Atlântida ter se consagrado na década anterior como uma das maiores produtoras do país, ainda assim seus filmes eram um tanto desleixados. A compra da empresa por Luiz Severiano Ribeiro Jr., em 1947, consolidaria o sucesso comercial das chanchadas no Brasil.
 
Como sócio majoritário da Atlântida e dono de uma cadeia de cinema, uma empresa de distribuição e um laboratório para processamento de filmes, Luiz Severiano promoveu a difusão das chanchadas da Atlântida no mercado interno por mais de uma década, lotando as salas e mantendo a produção constante.
 
A criação da Vera Cruz, em 1949, com o objetivo de elevar o nível técnico e estético da produção cinematográfica no país, leva a Atlântida a aprimorar suas produções. Nos anos 1950, os enredos das chanchadas evoluem e passam a narrar histórias com conteúdo de crítica social ao cotidiano urbano do Rio de Janeiro, então capital federal, no lugar das simples temáticas carnavalescas, rurais ou juninas.

Paródias, sátiras, pastiches...

As paródias a filmes e atores de Hollywood tornam-se mais frequentes na década de 1950. São desse período chanchadas bem elaboradas que se tornaram verdadeiras coqueluches, comoAviso aos navegantes (1951), de Watson Macedo, e Carnaval Atlântida (1952), de José Carlos Burle; além dos memoráveis 
A dupla do barulho (1953); Matar ou correr (1954), paródia a Matar ou morrer(High noon, 1952, Fred Zinnemann); Nem Sansão, nem Dalila (1954), paródia a Sansão e Dalila (Samson and Delilah, 1949, Cecil B. de Mille); De vento em popa (1957) e O homem do Sputnik (1959), todos dirigidos por Carlos Manga.
Os filmes utilizavam a sátira, o deboche, a paródia, a ironia ou o pastiche, ou a mistura desses estilos, para criticar situações como o aumento do preço do leite, a falta de água, a deficiência do transporte coletivo, a política populista do governo federal, a poluição na Lagoa Rodrigo de Freitas e a construção de Brasília, entre outros fatos cotidianos do país.
Outras produtoras
Além da Atlântida, diversas produtoras realizavam chanchadas na década de 1950, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, tamanha era a receptividade do público ao gênero cômico-popular. Entre as várias companhias, destacavam-se Brasil Vita Filmes, Watson Macedo Produções, Cinedistri e Herbert Richers. A própria Vera Cruz, que realizava melodramas nos moldes hollywoodianos, adotou o filão das chanchadas como estratégia comercial, produzindo três filmes com o comediante Amácio Mazzaropi: Sai da frente (1952);Nadando em dinheiro (1952) e Candinho (1953). 



O sonho da Hollywood brasileira

Vera Cruz: a 'fábrica de sonhos'
No final da década de 1940, a ânsia de modernização dos grandes centros urbanos brasileiros leva Rio de Janeiro e São Paulo a investirem na expansão de projetos culturais. As duas maiores cidades do país se envolvem numa disputa pela hegemonia da produção artística em diversas áreas, entre as quais o cinema. Na capital paulista, a burguesia industrial e intelectual emergente cria instituições como o Museu de Arte Moderna (MAM), em 1947, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em 1948, e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949.

A Vera Cruz, concebida nos moldes do cinema industrial norte-americano de Hollywood, materializa o projeto de São Paulo de se tornar uma capital cosmopolita e marca uma nova fase de realizações do cinema nacional. Num caminho oposto ao da Atlântida – criada por produtores brasileiros com visão comercial, que utilizavam equipamentos de segunda mão –, a companhia paulista foi fundada pelo empreendedor Franco Zampari, de origem italiana, e por um grupo de empresários que investiram muito dinheiro no projeto e trouxeram para o Brasil técnicos da Itália e da Inglaterra.

Tecnologia de ponta

Tônia Carrero
Os estúdios da Vera Cruz, construídos em São Bernardo do Campo (SP), eram gigantescos, modernos e equipados com os melhores equipamentos disponíveis no exterior.
Foi assim que a Vera Cruz introduziu no cinema nacional um rigor técnico nunca antes visto pelos profissionais da área.
Cacilda Becker
Seu esquema industrial copiava o star system hollywoodiano, lançando nas telas atores consagrados do TBC, como Tônia Carrero, Cacilda Becker, Anselmo Duarte, Paulo Autran, Cleyde Yáconis e Jardel Filho.
A distribuição ficava a cargo de empresas norte-americanas, como a Columbia Pictures e a Universal. Os enredos eram escritos por renomados roteiristas, que produziam melodramas, dramas, adaptações literárias, musicais e documentários.

Produções caras e demoradas

Os filmes pequeno-burgueses da Vera Cruz eram bem diferentes das produções assinadas pela Atlântida. Enquanto a produtora carioca lançava chanchadas carnavalescas de baixo orçamento, cujos temas eram o samba, o futebol, a política, as situações cotidianas e o Carnaval, alinhavados com humor e cenas musicais, a companhia paulista se opunha a um Brasil mulato e popular, que não correspondia às aspirações estéticas de uma elite europeizada. Por essa razão, produzia filmes 'sérios' com altos custos. 

Uma das mais dispendiosas e demoradas produções do estúdio foiTico-tico no fubá (1952), de Adolfo Celi, protagonizada por Tônia Carrero e Anselmo Duarte. O filme narra a angustiada biografia do músico Zequinha de Abreu. O desperdício de dinheiro aconteceu numa cena de circo que demandou aproximadamente um mês para ser filmada, apesar de ser aproveitada em poucos minutos na versão final.



Prêmios internacionais


Entre os filmes produzidos pela Vera Cruz, muitos receberam prêmios internacionais e nacionais, como O cangaceiro (Lima Barreto, 1953), agraciado em Cannes com o Prêmio Internacional de Melhor Filme de Aventura e com a Menção Honrosa pela Música de Gabriel Migliori; Sinhá moça, que recebeu o Leão de Bronze em Veneza e o Urso de Prata em Berlim; Caiçara, aclamado com o prêmio Governador do Estado de São Paulo de Melhor produtor para Alberto Cavalcanti, entre outros. Destacam-se, também,Appassionata (1952), de Fernando de Barros, e Floradas na serra, de Luciano Salce, lançado em 1954.

O sonho desmorona
Apesar do entusiasmo, a Vera Cruz foi um fracasso comercial. Em 1953, com apenas cinco anos de atividade, o estúdio faliu. Os maiores problemas enfrentados pela produtora foram a lentidão na comercialização dos filmes e o desinteresse das distribuidoras norte-americanas (Columbia Pictures e Universal) em patrocinar a produção nacional. A inviabilidade comercial – mesmo com o sucesso artístico e de público – também decorreu da má divisão da receita: 50% do lucro eram destinados aos exibidores, que nada investiam na produção, e a outra metade era dividida entre o distribuidor (15%) e o produtor (35%), neste caso a Vera Cruz, que com esse montante cobria apenas as despesas. Ironicamente, o maior sucesso internacional do estúdio – O cangaceiro –, teve seus direitos vendidos à Columbia Pictures, que ficou com todo o lucro.

As dificuldades financeiras enfrentadas pela Vera Cruz nos anos 1950 não impediram a produtora de deixar um legado de 'qualidade' ao cinema nacional. Em seu rápido ciclo (1949-1953), a companhia promoveu uma melhoria técnica na fotografia, na montagem, na cenografia, no som e na encenação. Por outro lado, a crítica considera as produções da Vera Cruz um tanto artificiais, por tratar da realidade brasileira numa ótica burguesa, moldada nos padrões cinematográficos hollywoodianos. Até mesmo os filmes com temáticas regionais apresentam uma estética idealizada, comum às superproduções. Por esse motivo, a companhia ficou conhecida como a 'fábrica de sonhos'.

O cinema novo

Cinema social

Na década de 1960, o cinema nacional passa por uma radical revolução estética e ideológica, ao realizar filmes de cunho social e
de forte engajamento político. Esse movimento, cuja proposta era renovar a linguagem cinematográfica e sintonizar a produção interna com a realidade brasileira, foi batizado de 'cinema novo'.
 
As ideias que originaram o cinema novo começaram a ser fomentadas no I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro e no I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, em 1952. O núcleo central do movimento originou-se de um grupo de jovens cineastas idealistas que se reunia em sessões semanais da cinemateca do Museu de Arte  Moderna, no Rio de Janeiro.

Descontentes com o rumo do cinema brasileiro nos anos 1950, os jovens intelectuais propunham a produção de filmes livres da estrutura industrial dos grandes estúdios, que se pautava em orçamentos astronômicos, no star system e em roteiros distantes da realidade social do país. A miséria social e a política eram os temas prediletos do movimento, que teve em Glauber Rocha seu maior expoente.
Influências
Joaquim Pedro de Andrade
A falência da Vera Cruz, em 1953, foi um dos fatores decisivos para que os cinemanovistas – como ficaram conhecidos os inquietos cineastas – se unissem 
por um cinema que retratasse a realidade social com menor custo de produção. 
Carlos Diegues
A Vera Cruz, apesar de ser um empreendimento realizado em São Paulo, serviu de parâmetro ao cinema novo como uma experiência econômica, técnica, cultural e artística a ser evitada.

A inspiração estética e ideológica do cinema novo veio doneorrealismo italiano, movimento que retratou a realidade social da Itália após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e da nouvelle vague, grupo de jovens cineastas franceses que se beneficiou de novas tecnologias (câmeras mais leves, portáteis, com gravadores acoplados ao som direto) para fazer um cinema mais experimental.


Nelson Pereira dos Santos
Glauber Rocha
A escola Novo Cinema, criada em Portugal, também deu impulso ao grupo dos cinemanovistas, formado pelos então jovens cineastas Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, 
Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto, entre outros.

Rio 40 graus

O filme Rio 40 graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, é considerado pelos especialistas como a obra inaugural do ciclo do cinema novo. Influenciado pelo neorrealismo italiano, o filme tem as características próprias do movimento cinemanovista: enredo popular, linguagem simples e baixo orçamento. A narrativa se desenrola no Rio de Janeiro, na época capital federal, em locações naturais, como o Maracanã, o Corcovado, as favelas e as praças urbanas, retratando patifes, soldados, favelados, crianças no mundo do crime e deputados.
 
Filmes engajados
As chanchadas foram o principal alvo de críticas do cinema novo. A liberdade cômica e o aparente 'descompromisso' dos filmes chanchadescos com as questões sociais se contrapunham ao engajamento de esquerda proposto pelo novo movimento cinematográfico. Para os cinemanovistas, as chanchadas refletiam nas telas a 'alienação cultural' do povo brasileiro.

Nas palavras de Glauber Rocha, o gênero cômico-poular não passava de um 'cinema populista', enquanto que para Walter Lima Jr. era “um filme único que se repetia a cada ano”. Já Cacá Diegues qualificava a chanchada como “o fim da picada, uma coisa de uma vulgaridade de paródia mal feita do cinema americano”.
Uma ideia na cabeça, uma câmera na mão

De 1960 a 1964, o cinema novo produz filmes voltados ao cotidiano e à mitologia do Nordeste brasileiro, retratando os trabalhadores rurais e as misérias da região. A temática da marginalização econômica, a fome, a violência, a opressão e a alienação religiosa também mereceram destaque.

Os filmes 
Vidas secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, Os fuzis(1963), de Ruy Guerra, e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, são os que melhor expressam esse período, demarcado como a primeira fase do cinema novo.
 
Adaptação do livro de Graciliano Ramos, Vidas secas representou o Brasil no Festival de Cannes de 1964, onde predominou a temática do campo. Por sua vez, Deus e o Diabo na Terra do Sol, exibido na mesma edição do festival, apesar da ótima receptividade da crítica francesa, perdeu a Palma de Ouro para o musical Os guarda-chuvas do amor, de Jacques Démy.
 
Até hoje, Deus e o Diabo na Terra do Sol é apontado como o filme mais emblemático do auge do cinema novo, pela liberdade narrativa que valorizava movimentos de câmera na mão e planos-sequências (cenas captadas em um único take, sem cortes). 

Para Glauber Rocha, autor da célebre frase "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão", o  projeto intelectual e artístico do cinema novo deveria se prestar à consolidação de uma identidade cinematográfica genuinamente nacional, libertária e desvinculada das interferências do colonialismo estrangeiro.


Desenvolvimentismo e Ditadura Militar


A segunda fase do cinema novo, entre 1964 e 1968, volta-se para a temática política. Filmes como O desafio (1965), de Paulo Cezar Saraceni, Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, e
O bravo guerreiro (1968), de Gustavo Dahl, criticam a política desenvolvimentista e a Ditadura Militar do país.

Uma dose de tropicalismo 

Em 1968, o discurso engajado do cinema novo perde sua força devido à eficácia dos instrumentos de repressão do regime militar. Apesar da censura, inicia-se a terceira fase do movimento, que se estende até 1972 sob a influência do tropicalismo, movimento avesso ao nacionalismo ufanista e à exclusão dos elementos estrangeiros na cultura brasileira.

Nesse período, o cinema novo passa a retratar um Brasil marcado pela exuberância e por personagens típicos, apropriando-se das formas alegóricas para driblar a Ditadura Militar. 
Os filmes Cabeças cortadas(1970), de Glauber Rocha - curiosamente filmado na Espanha -, Quando o Carnaval chegar (1972), de Cacá Diegues, e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, são representativos desse momento.

O título Macunaíma, inspirado na obra homônima de Mário de Andrade,é o marco dessa fase. O filme refaz a trajetória do fanfarrão, sensual e depravado herói da literatura antropofágica. No longa, interpretado por Paulo José e Grande Otelo – um dos grandes atores da chanchada –, o personagem Macunaíma luta para ganhar dinheiro sem trabalhar. É um "herói sem caráter" no Brasil do AI-5 e da guerrilha rural e urbana.

O cinema novo foi, depois da Bela Época e da chanchada, o terceiro acontecimento global de importância na história do cinema brasileiro. A partir de 1973, a estilo alegórico adotado pelo cinema novo evolui para outras propostas estéticas, com o exílio de alguns cineastas e a queda no volume de produções.


Fique Ligado!
Em 1962, o Brasil ganhou sua única Palma de Ouro em Cannes, com o filme O pagador de promessas, de Anselmo Duarte. Simples e com uma linguagem convencional, o longa foi feito à margem do cinema novo, apesar de ter sido filmado no auge do movimento. Motivo? Anselmo Duarte, o galã mais popular do Brasil em toda a década de 1950, não fazia parte do grupo cinemanovista.
 
Do cinema marginal à pornochanchada

Cinema marginal

Cena do filme O bandido da luz vermelha
No final dos anos 1960, surge o cinema marginal, também conhecido como o cinema da 'boca do lixo' ou underground. Nessa época, a cultura do país fervilhava com o teatro oficina, o cinema novo e o movimento tropicalista, que influenciou todos os campos da arte, especialmente a MPB (música popular brasileira).
 Por outro lado, o Brasil vivia sob o regime militar, que instaurou o fechamento político e reprimiu a liberdade de expressão das ideias nutridas durante a década de 1960.

Os cineastas do cinema marginal pregavam, em meio à repressão da Ditadura Militar, a contracultura e a antiestética, na esteira da rebeldia cultural dos anos 1960. Assistia-se à verdadeira rejeição do cinema bem-feito em favor da tela suja e a estética do lixo. Segundo seus criadores, a estética do lixo era “o estilo mais apropriado para um país doTerceiro Mundo, na medida em que possibilita a transformação das sobras de um sistema internacional dominado pelo monopólio capitalista do primeiro mundo”.

Caldeirão cultural

É nesse caldeirão político-cultural, sob o regime ditatorial, que o cinema marginal encontrou solo fértil para se desenvolver. A fonte de inspiração desse movimento foi o filme A margem (1967), de Ozualdo Candeias, cineasta paulista que, antes de se aventurar no cinema, já havia trabalhado como caminhoneiro.

Com muitas cenas rodadas às margens da avenida expressa Marginal Tietê e em locações repletas de lixo urbano na grande São Paulo, a película é um retrato grotesco e irônico do sistema capitalista, ao mostrar a vida de pessoas que vivem à margem da sociedade na maior capital do país. Mesclados a uma narrativa não linear, entrecortada por pequenas histórias, esses elementos de estilo definiram os moldes do que, futuramente, seria chamado 'cinema marginal'.

Em 1968, a produção do cinema marginal se firma no país. Muitos filmes são realizados, mas poucos chegam a entrar em cartaz, devido à censura do regime militar. No entanto,O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, alcançou grande sucesso de público e ganhou vários prêmios em festivais nacionais naquele ano.

Quadrinhos, propagandas e tropicalismo

Rogério Sganzerla
O cinema marginal retrata a situação cultural e social de um Brasil por meio de elementos estéticos, como histórias em quadrinhos, transmissões radiofônicas, televisão, propagandas, romances, imprenssa sensacionalista e uma boa dose de tropicalismo. As formas toscas e debochadas são exaltadas nesse movimento cinematográfico.

O objetivo dos jovens cineastas filiados a essa corrente era contestar os costumes e romper com a linguagem fílmica linear, em vez de se ater ao processo político e social pelo qual passava o país. O cinema marginal é a cinematografia que apresenta a vertente consumista da sociedade, apoiada num modelo de filme pobre que questiona a política cinematográfica de produção vigente e seu modelo padrão.

Nesse movimento, os cineastas desfrutam, sem amarras, de toda a liberdade criativa. Bons exemplos do cinema marginal são, além do aclamadoO bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla; Câncer (1968), de Glauber Rocha; Jardim de guerra (1968), de Neville d'Almeida; Hitler no III Mundo (1968), de José Agripino de Paulo; e as obras Matou a família e foi ao cinema (1969) e O anjo nasceu (1969), de Júlio Bressane. Essas películas experimentais, ao retratarem a verdadeira situação do país de maneira ousada e debochada, rompem com o intelectualismo do cinema novo para alcançar o grande público.

O cinema marginal tem como base de linguagem o apelo, que deixa de lado os valores éticos e culturais para esbanjar o grotesco e o erotismo bem acentuados. Devido a essas características, poucos filmes desse movimento puderam ser assistidos na época. No entanto, alguns foram revelados, comoBang-bang (1970), de Andrea Tonacci; Os monstros de babaloo (1970), de Eliseu Visconti; Viagem ao fim do mundo (1968), de Fernando Coni Campos; e Jardim de espumas (1970), de Luiz Rozemberg Filho.

O terror 'trash'

Zé do Caixão
O grupo do cinema experimental era fã de autores americanos, como Samuel Fuller e Orson Wells, ou de mestres ingleses que fizeram carreira nos Estados Unidos, como Alfred Hitchcock. Entre os cineastas do cinema marginal, José Mojica Marins, conhecido popularmente como Zé do Caixão, é um dos mais representativos do gênero, devido ao estilo grotesco e disforme, ao esquema de produção rápido, à linguagem simples e precária, com a exaltação de sangue, mortes e gritos, que adota em seus filmes. Mojica dirigiu clássicos do terror 'trash', como Esta noite encarnarei em teu cadáver (1967), Exorcismo negro (1974) e Inferno carnal (1977).

Sucesso comercial 

Os principais diretores do cinema marginal eram cariocas, baianos, mineiros e paulistas. Em busca do sucesso comercial, esses cineastas romperam com os esquemas de produção da época, realizando muitos filmes de forma independente. Rogério Sganzerla, um dos mais representativos realizadores do movimento, alcançou bom sucesso comercial com seus dois primeiros filmes produzidos de forma quase independente.

O dinheiro recebido por Sganzerla foi aplicado na criação da produtora Belair junto com Júlio Bressane, que empregou suas finanças pessoais. A Belair conseguiu boa inserção no mercado de exibição e produziu vários longas e curtas que representam os traços mais radicais da narrativa cinematográfica do grupo marginal, como Barão Olavo, O horrívelFamília do barulho Cuidado, madame, dirigidos por Bressane, e Betty Bomba, A exibicionistaCopacabana mon amour Sem essa, Aranha, de Sganzerla, todos realizados em 1970.

Ícones à margem

Além de Sganzerla, o movimento paulista foi representado por Ozualdo Candeias, que, depois de A margem (1967), também filmou Meu nome é Tonho (1969) e A herança(1971); por Andréa Tonacci, que idealiza Bang-bang (1971); e por João Silvério Trevisan, que dirigiu Orgia ou o homem que deu cria (1970). No Rio de Janeiro, destaca-se, junto com Bressane, o carioca Elyseu Visconti, realizador de Os monstros de Babaloo (1970) eLobisomem, terror da meia-noite (1971).

Os diretores Neville d´Almeida, Sylvio Lanna, João Batista de Andrade e Geraldo Veloso faziam parte da divisão mineira. O movimento do cinema marginal possuía em algumas regiões do país centros de produções, como a Boca da Fome, no Rio de Janeiro, a Boca do Inferno, em Salvador, e a Boca do Lixo, em São Paulo.

Helena Ignez
A atriz baiana Helena Ignez foi a musa desse metiê. Com seu estilo próprio de atuar, debochado e extravagante, tornou-se um ícone do movimento experimental, em filmes de Rogério Sganzerla, Glauber Rocha e Júlio Bressane. O ator Paulo Villaça, que encarna o bandido da luz vermelha e outros personagens em películas como Perdidos e malditos (1970), de Geraldo Veloso, Copacaba mon amour (1970), de Rogério Sganzerla, eMangue banguê (1971), de Neville D'Almeida, foi outro grande intérprete das cinenarrativas marginais.

Paulo Villaça
A maioria dos filmes do cinema marginal não era incluída nos principais festivais de cinema do país, sob a alegação de que sua linguagem era extremamente experimental e suas produções, sem condições técnicas, eram precárias. A resposta dos realizadores era o deboche nas telas e a organização de mostras paralelas. Em Brasília, a primeira iniciativa foi a I Mostra de Horror Nacional.

O fim do ciclo marginal aconteceu no início dos anos 1970, devido ao endurecimento do regime militar, que obrigou boa parte dos cineastas a se exilar na Europa. No final da década, os filmes marginalizados começaram a se tornar cults e vários festivais foram criados para divulgar essas películas a Semana do Cinema Maldito em Ipanema, a Semana do Cinema Marginalizado Brasileiro, a Mostra do Cinema e o Ciclo de Cinema Bandido.

A pornochanchada 

A pornochanchada surge no fim dos anos 1960 e tem seu apogeu em meados dos anos 1970. É definida como um gênero cinematográfico que mescla comédias de costumes com erotismo leve e paródias ao cinema erótico europeu e americano. Esse ciclo do cinema nacional sobreviveu por mais de 15 anos e só pôde existir porque contava com o apoio do mercado exibidor.

Para atrair o grande público, a Boca do Lixo paulista torna-se o centro de produção nacional de pornochanchadas. Combatida por muitos como pornografia e defendida por outros como filmes eróticos recheados de humor – nada mais do que um meio de gerar empregos e renda para o cinema no período –, a pornochanchada tem um grande êxito popular nos anos de chumbo da ditadura brasileira.

Um marco da pornochanchada é A dama do lotação (1978), de Neville D'Almeida, diretor que rompe com a produção marginal ao voltar do exílio. Com Sônia Braga no papel-título, o filme se torna uma das maiores bilheterias do cinema nacional, com 7 milhões de espectadores.

Além dos movimentos


Nos anos 1970, cineastas remanescentes do cinema novo e diretores estreantes realizam filmes que buscam uma maior aproximação com o público e mais liberdade ideológica em suas narrativas. Essas fitas não se vinculam a nenhum movimento cinematográfico, pois são influenciadas por vários gêneros, como a comédia, o erotismo ou elementos do cinema novo.

São obras que retratam as transformações e contradições do Brasil naquela década, a exemplo deComo era gostoso o meu francês (1970), de Nelson Pereira dos Santos; Os inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade; São Bernardo (1972), de Leon Hirszman; Toda a nudez será castigada (1973) eTudo bem (1978), de Arnaldo Jabor; Lição de amor(1975), de Eduardo Escorel; e Bye bye, Brasil (1979), de Cacá Diegues, entre outros.

Em meio a essas produções, merece destaque Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto, filme de maior sucesso do cinema brasileiro até 2010, por ter alcançado mais de 10 milhões de espectadores.





Da crise nos anos 1980 à retomada nos anos 1990

A crise nos anos 1980 


A gradual abertura política nos anos 1980, deflagrada no início da década e consolidada com o movimento pelas diretas-já em 1984, favorece o debate de temas antes proibidos, como a militância operária em Eles não usam black-tie (1981), de Leon Hirszman, e a tortura em Pra frente, Brasil (1982), de Roberto Farias. Nesse período, a produção de filmes nacionais ainda era financiada diretamente pela Embrafilme, entidade do governo.
Apesar da crise financeira do país e da concorrência acirrada dos filmes estrangeiros, que contribuíram para a queda na produção de filmes brasileiros, surgem novos cineastas, como Lael Rodrigues, diretor de Bete balanço (1984); André Klotzel, realizador de A marvada carne (1985); e Susana Amaral, diretora de A hora da estrela(1985), que recebeu diversos prêmios internacionais. 

A década é pontuada por boas produções, comoCabra marcado para morrer (1984), documentário de Eduardo Coutinho; Eu te amo (1980) e Eu sei que vou te amar (1986), de Arnaldo Jabor; Os anos JK (1980) e Jango (1984), de Silvio Tendler;Memórias do cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos; O beijo da mulher aranha (1985), de Hector Babenco; e Feliz ano velho (1987), de Roberto Gervitz. Nesses anos, o cinema infantil de Renato Aragão ganha espaço e público nos cinemas.

Um dos maiores sucessos dos anos 1980 é Pixote, a lei do mais fraco(1981), de Hector Babenco, filme que sobrepõe o estilo documental ao ficcional para narrar a história de garotos que fogem da Febem (atual Fundação Casa). Com vários prêmios no exterior, o filme leva aos cinemas do país 2,5 milhões de espectadores.

Em meados dos anos 1980, as produções nacionais voltam-se para o mercado externo, em função da retração do público interno e da atribuição de prêmios estrangeiros a filmes brasileiros. Em 1985, Marcélia Cartaxo ganhou o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, por seu trabalho em A hora da estrela.

Foi a primeira vez que uma atriz brasileira recebe um prêmio desse porte em um grande festival internacional. Em 1986, Fernanda Torres ganhou a Palma de Ouro de Melhor Atriz em Cannes pela atuação em Eu sei que vou te amar (1986). No ano seguinte, é a vez de Ana Beatriz Nogueira, com o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim (1987), como protagonista de Vera,de Sérgio Toledo. 

No final dos anos 1980, a Embrafilme, sem verbas, praticamente perde as funções de fomentadora do cinema nacional. Em 1988, o governo cria a Fundação do Cinema Brasileiro.

A retomada das produções na década de 1990 

O cinema nacional entra nos anos 1990 com a crise do setor, que se acirrou no final da década de 1980. O fim da reserva de mercado para o filme brasileiro e a extinção da Lei Sarney e da Embrafilme, durante o governo Fernando Collor são a gota d'água para a produção cair a quase zero.

Em outra frente, a tentativa de privatizar a realização de filmes esbarra na falta de público e na concorrência dos filmes estrangeiros, da televisão e do vídeo. A saída para o impasse é a internacionalização da produção, como fez Walter Salles Jr. em A grande arte (1991), uma coprodução Brasil-Estados Unidos.

A crise do cinema brasileiro no início dos anos 1990 se aprofunda a tal ponto que o 25º Festival de Brasília (1992) é adiado devido à ausência de filmes concorrentes. Para sobreviver, o Festival de Gramado de 1993 é internacionalizado, pois recebe apenas dois filmes brasileiros inscritos: Capitalismo selvagem (1993), de André Klotzel, e Forever, de Walter Hugo Khouri (1993), rodado com financiamento italiano.

Por outro lado, nesse mesmo ano, o Ministério da Cultura institui o Programa Banespa de Incentivo à Indústria Cinematográfica e o Prêmio Resgate Cinema Brasileiro, que estimulam a retomada da produção. As leis de incentivo fiscal e os financiamentos são destinados à realização, finalização e comercialização de filmes no país. As filmagens começam a surgir no Brasil e, aos poucos, novos filmes de diversas regiões são desovados.

Bilheteria expressiva

Filme marco da retomada
O marco dessa nova fase do cinema nacional – batizada de retomada – é o filme Carlota Joaquina, princesa do Brazil (1994), de Carla Camurati. Rodado com orçamento modesto, até mesmo para o padrão brasileiro – R$ 630 mil, enquanto a média nacional é de R$ 1,2 milhão por produção –, o filme conseguiu bater o recorde de bilheteria adulta das décadas de 1980 e 1990, ao levar 1,3 milhão de espectadores aos cinemas.

Nesse período, destacam-se Barrela – Escola de crimes (1990), de Marco Antônio Cury; Não quero falar sobre isso agora (1991), de Mauro Farias; A terceira margem do rio (1994), de Nelson Pereira dos Santos; Alma corsária (1993), de Carlos Reichenbach; Lamarca (1994), de Sérgio Rezende; e Vagas para moças de fino trato (1993), de Paulo Thiago. A parceria entre televisão e cinema se realiza em Veja esta canção (1994), dirigida por Carlos Diegues e produzida pela TV Cultura e pelo Banco Nacional.

Em 1994, novas produções, em preparação ou mesmo finalizadas, despontam: O beijo 2348/72 (1994), de Walter Rogério; A causa secreta, de Sérgio Bianchi; Era uma vez, de Arturo Uranga; Perfume de gardênia, de Guilherme de Almeida Prado; O corpo, de José Antonio Garcia; Mil e uma, de Susana Moraes; Sábado, de Ugo Giorgetti; As feras, de Walter Hugo Khouri; Foolish heart, de Hector Babenco; Um grito de amor, de Tizuka Yamasaki; e O cangaceiro, de Carlos Coimbra, um remake do filme de Lima Barreto.

Prêmios no exterior

A segunda metade dos anos 1990 segue com filmes de grande qualidade, como Terra estrangeira (1995), de Daniela Thomas e Walter Salles; Guerra de canudos (1996), de Sérgio Resende; Baile perfumado (1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que atrai a atenção do país para a produção pernambucana; e A ostra e o vento(1998), de Walter Lima Jr, entre tantos outros.


No final da década, Central do Brasil (1998), de Walter Salles, ganha prêmios no Festival de Berlim, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro nos Estados Unidos e recebe duas indicações ao Oscar: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz, para Fernanda Montenegro.


O sucesso no Brasil e no exterior

O cinema nacional nos anos 2000

Em 2001, o governo cria a Agência Nacional do Cinema (Ancine), para regular e fomentar a produção, a distribuição e a exibição de filmes no país. A partir de 2003, a Ancine passa a ser vinculada ao Ministério da Cultura (MinC).

Ainda sem nenhum Oscar em sua história, o cinema nacional vem colecionando prêmios bem mais significativos, menos voltados para a indústria cinematográfica e mais dirigidos ao valor artístico dos filmes. A representatividade da cinematografia nacional no exterior soma troféus de grandes festivais mundiais – como Cannes (França), Berlim (Alemanha) e Veneza (Itália) – e de competições desconhecidas pela maioria do público, como os festivais de Roterdã, na Holanda, e o de Montreal, no Canadá.

O país também tem tido cadeira cativa em festivais como o de Havana (Cuba), San Sebastián (Espanha) e Guadalajara (México), entre muitos outros espalhados pelo mundo. Essa participação indica um reaquecimento da indústria cinematográfica nacional, impulsionada principalmente pela Lei Rouanet (8.313/91), destinada, até 2009, a canalizar recursos para o desenvolvimento do setor cultural.

Em janeiro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina o projeto de lei 6.722/10, que cria o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura) e revoga a Lei Rouanet. A proposta estabelece a formação de um fundo de fomento que deve distribuir bolsas e prêmios diretamente aos projetos culturais escolhidos, sem a necessidade de buscar patrocínio. Segundo analistas, as possibilidades de investimento por renúncia fiscal ficariam mais restritas.

O Procultura, viabilizado principalmente pelo Fundo Nacional da Cultura (FNC), já existente. A receita é por verbas do orçamento anual da União, doações e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive internacionais, entre outras fontes.

Pelo menos 40% das verbas destinadas ao Ministério da Cultura (MinC) devem ser encaminhadas ao fundo. O FNC financia projetos culturais que tenham por base a democratização do acesso à cultura e o apoio à produção independente, entre outros critérios previamente aprovados pelo MinC.

Temáticas sociais

Para os especialistas em produção e mercado audiovisual, a melhoria na qualidade do cinema brasileiro – antes visto como pitoresco – é essencial para o seu reconhecimento no mercado externo. O que mais chama a atenção dos estrangeiros é a temática das realizações nacionais sobre problemas sociais, com destaque para a pobreza e a violência urbanas.

Essas características certamente levaram produções como Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles;Ônibus 174 (2002), de José Padilha; Carandiru (2003), de Hector Babenco; O homem que copiava (2002), de Jorge Furtado; Cinema, aspirinas e urubus (2005), de Marcelo Gomes; e Tropa de elite (2007), de José Padilha, a colecionar títulos internacionais nas mais diversas categorias, como melhor roteiro, melhor direção de arte e melhor filme, entre outros prêmios.

Sucesso em território nacional

O interesse pela realidade não chama a atenção só dos estrangeiros. No Brasil, o ano 2006 é o marco do lançamento de documentários e longas-metragens embasados na realidade social, temática que representou 30% das estreias nacionais.

Os chamados filme-verismos (que buscam a legitimação na representação de um determinado aspecto da realidade) estão presentes no circuito brasileiro, com maior ou menor força, desde a década de 1940. Entre essas produções, os maiores sucesso de bilheteria foram Carandiru(4,7 milhões de espectadores); Cidade de Deus (3,4 milhões) e Tropa de elite (2,5 milhões).

Atualmente, o cinema nacional vive uma boa fase no circuito interno, com um fenômeno nunca antes visto no mercado exibidor: a produção em sequência de sucessos de bilheteria, a exemplo de Se eu fosse você 2 (2009), de Daniel Filho, que atraiu 6,1 milhões de espectadores às telas e bateu o recorde de exibição de um filme adulto brasileiro desde 1994, início da retomada do cinema nacional; Os normais 2 (2009; 2,2 milhões), de José Alvarenga; e Tropa de elite 2 (2010, mais de 11 milhões).

Outras produções de apelo comercial, com ênfase no melodrama ou na comédia de costumes, também vem atraindo o grande público às salas do país. São filmes como 2 filhos de Francisco (2005: 5,3 milhões de espectadores), de Breno Silveira; Cazuza: o tempo não para (2004: 3,1 milhões), de Sandra Werneck e Walter Carvalho; e A mulher invisível (2009: 2,3 milhões), de Cláudio Torres.

Até o ano 2010, nenhuma obra tinha conseguido superar o recordista brasileiro: Dona Flor e seus dois maridos (1976), que atingiu a marca de mais de 10 milhões de espectadores. O feito de Dona Flor, filme de Bruno Barreto protagonizado por Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça, aconteceu numa época em que havia muito mais salas de cinemas, mas por outro lado o país encontrava-se sob a censura do regime militar.

Em 2010, Lula, o filho do Brasil (2009), de Fábio Barreto, com um orçamento de R$ 12 milhões e exibido atualmente em 354 salas do país, é o filme mais caro da história do cinema nacional.

Para saber mais:

Nos livros
• Bela Época do cinema brasileiro, de Vicente de Paula Araújo. Ed. Perspectiva.

• Cinema Brasileiro: propostas para uma história
, de Jean-Claude Bernardet. Ed. Paz e Terra.

• Enciclopédia do cinema brasileiro
, de Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. Ed. Senac.

• História visual do cinema brasileiro
, de José Carlos Monteiro. Funarte.

Nos sites

Agência Nacional do Cinema (Ancine)

Ministério da Cultura (MinC)

Secretaria do Audiovisual (Sav)









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