O Dionisíaco e o Socrático
Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios
de expressão: o aforismo e opoema. Isso trouxe como
conseqüência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais
de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e
avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre
parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico
desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou
suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a
arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de
avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de
fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e
fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria
perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do
futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.
Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se
entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade
entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o
pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia
teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em
lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia
proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores
pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites,
condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os
valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa
degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates,
quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial
e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates
"inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que
deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores"
como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo
de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época
da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição
da época da tragédia.
Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta
como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse
sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo.
Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que
apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa
que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das
artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus
discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos".
Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da
verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão",
formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o
homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por
Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo",
inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e
irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição
dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens
produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma
força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a
consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o
único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma
verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez
mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico,
verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria
instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do
espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que
foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico,
racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do
aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para
Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites:
"esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional
associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus
limites onde este se transforma em arte".
Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica,
retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo
as idéias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas
como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e
seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a
única coisa permitida é sua interpretação.
O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha
A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido
ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das idéias
socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.
Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo
terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna
do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro
mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o
provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de
"um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é
preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da
perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e
crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à
luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os
vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram
falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores
dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não
possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das
alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este
ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e
mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da
felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança,
dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de
aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições
fundamentais da própria vida".
Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a
vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma
tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do
ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o
método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui
no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de
permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado
esquecido da palavra "bom". Em latim,bonus significa
também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo
cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados;
com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que
explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para
Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e
infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se
interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético
(momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a
vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza
e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse
niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer
significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a
maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu
sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu
negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se
chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da
consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica
resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos
para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a
"profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma
pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da
consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do
arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores
estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser
humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem.
Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de
verticalidade que se encontram emAssim falou Zaratustra representam
a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de
superfície.
A etimologia nietzschiana mostra que não existe um
"sentido original", pois as próprias palavras não passam de
interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são
"interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre
foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado,
mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista,
portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser
interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer
isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete
por excelência, é como Dioniso.
Os Limites do Humano: O Além-do-Homem
Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a
Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência
e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista,
totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte
trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na
antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno
retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não
significa uma volta do mesmo nem uma volta ao
mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois
momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e
Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título,
primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião
de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava
ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem,
o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí
está o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me
tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais
pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se
Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual
e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a
outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens
não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas,
como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias,
dirão à vida: uma vez mais".
Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a
Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira
oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o
empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação
do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso.
Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar
do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no
eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da
criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno
retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira
de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem
que se situa além do próprio homem.
Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja
vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz
Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores
estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como
princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos
valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar",
"dar" e "avaliar".
Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem
nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos
os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse
constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à
do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade,
da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade,
humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se
sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo
orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O
forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na
vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria
à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o
profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último
grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que
afirma.
Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita
das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois
impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e
dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de
Potênciaexorta os operários a reagirem "como soldados".
Uma Filosofia Confiscada
Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da
moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do
super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma
que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um
percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã
Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o
Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo.
Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial
no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo
publicar Vontade de Potência como a última e a mais
representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo,
escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de
sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos.
Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra
franco-prussiana (1870-1871).
Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no
exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a
vitória da Alemanha sobre a França teria como conseqüência "um poder
altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de
seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus
alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como
indício de verdadeira grandeza.
Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche
revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa
neurose") que ameaçava subverter a cultura européia. Por outro lado,
quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa",
Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que
introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem
obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número".
No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos
que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo
definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor
de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o
anti-semitismo".
Para compreender corretamente as idéias políticas
de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios
posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um
antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de
decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo
aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar
de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese
é reforçada: "estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas
ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do
homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato
não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro
lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o
contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas";
para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo
criação da violência e da conquista e, como conseqüência, seus alicerces
encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e
não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".
O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na
formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o
desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao
contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da
cultura e para fazer nascer o além-do-homem.
Assim Falou Zaratustra
Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus
capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão
sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo
livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal
e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial
entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário
colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche
inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível
da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a
saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a
fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal,
verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma
continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as
duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim,
não há fato patológico.
A loucura não passa de uma máscara que esconde
alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica
utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética",
que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a
vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são
considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche,
aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à
filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as idéias
novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma
verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram
mais próximos da idéia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de
sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos
foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos
"filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da
nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as
novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É
dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura
na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a
"doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As
últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal,
pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para
ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria
cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e
aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a
uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem
mesmo por ocasião da maior enfermidade".
Elaborado e Idealizado por Rosana
Madjarof
EXERCÍCIOS
1. “Não sou homem, sou dinamite”. Esta frase atribuída a
Nietzsche realmente faz sentido dentro da “bombástica” crítica que o filósofo
fez ao século XIX, que segundo ele:
a) valorizava o avanço da ciência e da religião
b) estava em franca expansão industrial e social, sendo
positivo para o mundo
c) era marcado pelo neocolonialismo que desenvolvia as
colônias africanas
d) se desenvolvia de maneira uniforme em todo o mundo
e) contava com o predomínio da cultura judaico-cristã, a qual
o filósofo abolia
2. A nova moral que Nietzsche visa criar tem como
características:
a) o pensamento religioso cristão
b) do paganismo grego e romano
c) virtudes de um cavaleiro, como coragem e honra
d) a moral do protestantismo luterano
e) pensamentos que ficaram conhecidos como pós-modernos
3.
(UFU – 2ª Fase) Leia atentamente o texto a seguir.
“O cristianismo, por sua vez, esmagou e alquebrou completamente o homem, e o
mergulhou como que em um profundo lamaçal: então, no sentimento de total abjeção, fazia brilhar de repente o esplendor de uma piedade divina, de tal modo que o surpreendido, atendido pela graça, lançava um grito de embevecimento e por um instante acreditava carregar o céu inteiro em si.”
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 59.
Com base no texto de Nietzsche, responda as seguintes questões:
A) O cristianismo pode ser considerado “moral do escravo” ou “moral do senhor”?
B) Selecione uma frase do texto que apresenta a característica fundamental do cristianismo para Nietzsche.
C) Com base na frase selecionada, explique se, para Nietzsche, o cristianismo é uma doutrina que nega ou que valoriza a força, a saúde e a vida.
“O cristianismo, por sua vez, esmagou e alquebrou completamente o homem, e o
mergulhou como que em um profundo lamaçal: então, no sentimento de total abjeção, fazia brilhar de repente o esplendor de uma piedade divina, de tal modo que o surpreendido, atendido pela graça, lançava um grito de embevecimento e por um instante acreditava carregar o céu inteiro em si.”
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 59.
Com base no texto de Nietzsche, responda as seguintes questões:
A) O cristianismo pode ser considerado “moral do escravo” ou “moral do senhor”?
B) Selecione uma frase do texto que apresenta a característica fundamental do cristianismo para Nietzsche.
C) Com base na frase selecionada, explique se, para Nietzsche, o cristianismo é uma doutrina que nega ou que valoriza a força, a saúde e a vida.
4. Nietzsche identificou os deuses gregos Apolo e
Dionísio, respectivamente, como
a) complexidade e ingenuidade: extremos de um mesmo
segmento moral, no qual se inserem as paixões humanas.
b) movimento e niilismo: polos de tensão na
existência humana.
c) alteridade e virtu: expressões
dinâmicas de intervenção e subversão de toda moral humana.
d) razão e desordem: dimensões complementares da
realidade.
e) Amor e Paixão: sentimentos intensos da vida
humana.
5. A filosofia grega aprece
começar com uma ideia absurda absurda, com a proposição: a água é a origem e a
matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a
sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição
enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem
imagem e fabulação; e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em
estado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um.
NIETZSCHE, F. Crítica moderna.
In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
O que, de acordo com Nietzsche,
caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos?
A) O impulso para transformar,
mediante justificativas, os elementos sensíveis em verdades racionais.
B) O desejo de explicar, usando
metáforas, a origem dos seres e das coisas.
C) A necessidade de buscar, de
forma racional, a causa primeira das coisas existentes.
D) A ambição de expor, de maneira
metódica, as diferenças entre as coisas.
E) A tentativa de justificar, a
partir de elementos empíricos, o que existe no real.
GABARITO
1E
2C 3SALA 4 D 5 C
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