A condenação de Sócrates
"Pode alguém perguntar: 'Mas não serás capaz, ó Sócrates, de nos
deixar e viver calado e quieto?' Não convenceria alguns dentre vós de nada mais
dificilmente do que disso. Se vos disser que assim desobedeceria ao deus e, por
isso, impossível é a vida quieta, não me dareis fé, pensando que é ironia; de
outro lado, se vos disser que para o homem nenhum bem supera o discorrer cada
dia sobre a virtude e outros temas (...), e que a vida sem exame não é vida
digna de um ser humano, acreditareis ainda menos em minhas palavras."
Apesar de nunca ter escrito uma obra, a atividade filosófica de Sócrates está documentada nos livros do também filósofo grego Platão. Os célebres diálogos de Platão incluem o "Êutifron", o "Critão", o "Fédon" e "Um Banquete". Em todos eles, Sócrates aparece como personagem.
Sócrates e a nossa relação com o mundo
A figura de Sócrates é como um divisor de águas na Filosofia
Antiga, tanto que os filósofos anteriores a ele são tradicionalmente chamados
de pré-socráticos. De fato, com Sócrates há uma mudança significativa no rumo das
discussões filosóficas sobre a verdade e o conhecimento. Os
primeiros filósofos estavam preocupados em encontrar o fundamento (arké)
de todas as coisas. Sócrates, por sua vez, está mais interessado em nossa
relação com os outros e com o mundo. Curiosamente, Sócrates nada escreveu - e tudo o que sabemos dele é graças a
seus discípulos, particularmente Platão. Sócrates teria tomado a inscrição da
entrada do templo de Delfos como inspiração para construir sua filosofia: Conhece-te
a ti mesmo.
Para compreendermos o sentido dessa frase, segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926 - 1984), devemos
inscrevê-la em uma estratégia mais geral do cuidado de si. Ou seja, o que Sócrates pregava era que nós devemos nos ocupar menos com
as coisas (riqueza, fama, poder) e passarmos a nos ocupar com nós mesmos.
Poderia objetar-se: com que propósito deveria ocupar-me comigo mesmo? Porque é
o caminho que me permite ter acesso à verdade. Mas que tipo de verdade?
Obviamente não é uma verdade qualquer, tal como a fórmula química da água, mas
a verdade que é capaz de transformá-lo no seu próprio ser de sujeito.
É esse ato de conhecimento, capaz de promover nossa autotranscendência,
de que fala Sócrates. Conhecer a mim mesmo para saber como modificar minha
relação para comigo, com os outros e com o mundo.
Como ter acesso à verdade?
Tal modificação para ter acesso à verdade, contudo, não é um ato
puramente intelectual. Ela exige, por vezes, determinadas renúncias e
purificações, das quais Sócrates é um exemplo. Sócrates dizia ter recebido de Deus a missão de exortar os atenienses,
fossem eles velhos ou jovens, a deixarem de cuidar das coisas, passando a
cuidar de si mesmos. Tal atitude o fez dedicar-se inteiramente à filosofia e à
prática dialógica (uma forma especial de diálogo, denominada maiêutica)
por meio da qual ele fazia com que seu interlocutor percebesse as
inconsistências de seu discurso e se auto-corrigisse.
A atitude de Sócrates questionava os valores da sociedade ateniense, razão pela
qual seus inimigos o levaram ao tribunal, onde foi julgado e condenado à morte.
Sua morte, porém, não impediu que a questão do cuidado de si se tornasse um
tema central na filosofia durante mais de mil anos - e chegasse a influenciar
alguns filósofos modernos e contemporâneos. A questão central do cuidado de si é que jamais se tem acesso à verdade
sem uma experiência de purificação, de meditação, de exame de consciência -
enfim, através de determinados exercícios espirituais capazes de transfigurar
nosso próprio ser.
Dito de outro modo, o estado de iluminação, de descoberta da verdade,
não é produto do estudo, mas de uma prática acompanhada de reflexão constante
sobre minhas ações, atitudes - e de como posso modificá-las para me tornar uma
pessoa melhor. É como se a vida fosse uma obra de arte em que nós vamos nos
moldando, nos aperfeiçoando no decorrer da existência.
A difícil busca da verdade
Atualmente, estamos distantes dessa perspectiva socrática do cuidado de
si. A ciência moderna está preocupada com a produção e acumulação de
conhecimentos. Mas quando nos perguntamos: para quê acumulamos e produzimos
conhecimento? A resposta é simplesmente: para aumentar infinitamente nosso
conhecimento. Entramos, assim, numa corrida sem fim, em que nunca nos
questionamos se isso realmente está trazendo os benefícios prometidos.
Mergulhados em preocupações com a aparência e o consumo, pensamos estar
cuidando de nós mesmos, quando na verdade estamos nos perdendo em meio às
coisas. É preciso conhecer a si mesmo para não perder-se. Claro que você não
vai encontrar toda verdade em si mesmo, mas, pelo menos, a única verdade capaz
de salvá-lo.
APRENDENDO
O BÁSICO
Diálogo Fedro, de Platao (427-347 a.C.).
Fedro SÓCRATES: – Vamos então refletir sobre o que hápouco estávamos discutindo; examinaremos o que sejarecitar ou escrever bem um discurso, e o que seja
recitarou escrever mal.FEDRO: – Isso mesmo.SÓCRATES: – Pois bem: não é necessário que oorador esteja bem instruído e realmente informado
sobrea verdade do assunto de que vai tratar?FEDRO: – A esse respeito, Sócrates, ouvi o seguinte:para quem quer tornar-se orador consumado não éindispensável conhecer o que de fato é justo, mas sim
oque parece justo para a maioria dos ouvintes, que são
osque decidem; nem precisa saber tampouco o que é bomou belo, mas apenas o que parece tal – pois é pelaaparência que se consegue persuadir, e não pela
verdade.SÓCRATES: – Não se deve desdenhar, caro Fedro, dapalavra hábil, mas antes refletir no que ela
significa. Oque acabas de dizer merece toda a nossa atenção.FEDRO: – Tens razão.SÓCRATES: – Examinemos, pois, essa afirmação.FEDRO: – Sim.SÓCRATES: – Imagina que eu procuro persuadir-te acomprar um cavalo para defender-te dos inimigos, masnenhum de nós sabe o que seja um cavalo; eu, porém,descobri por acaso uma coisa: “Para Fedro, o cavalo éo animal doméstico que tem as orelhas mais compri -das”...FEDRO: – Isso seria ridículo, querido Sócrates.SÓCRATES: – Um momento. Ridículo seria se eutratasse seriamente de persuadir-te a que escrevesses
umpanegírico do burro, chamando-o de cavalo e dizendoque é muitíssimo prático comprar esse animal para o
usodoméstico, bem como para expedições militares; que eleserve para montaria de batalha, para transportarbagagens e para vários outros misteres.FEDRO: – Isso seria ainda ridículo.SÓCRATES: – Um amigo que se mostra ridículo nãoé preferível ao que se revela como perigoso e nocivo?FEDRO: – Não há dúvida.SÓCRATES: – Quando um orador, ignorando a natu -re za do bem e do mal, encontra os seus concidadãos namesma ignorância e os persuade, não a tomar a sombrade um burro por um cavalo, mas o mal pelo bem; quando,conhecedor dos preconceitos da multidão, ele a impelepara o mau caminho, – nesses casos, a teu ver, que
frutosa retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?FEDRO: – Não pode ser muito bom fruto.SÓCRATES: – Mas vejamos, meu caro: não nos tere -mos excedido em nossas censuras contra a arte
retórica?Pode suceder que ela responda: “que estais a
tagarelar,homens ridículos? Eu não obrigo ninguém – dirá ela –que ignore a verdade a aprender a falar. Mas quem ouveo meu conselho tratará de adquirir primeiro esses
conhe -cimentos acerca da verdade para, depois, se dedicar amim. Mas uma coisa posso afirmar com orgulho: sem asminhas lições a posse da verdade de nada servirá paraengendrar a persuasão”.FEDRO: – E não teria ela razão dizendo isso?SÓCRATES: – Reconheço que sim, se os argumentosusuais provarem que de fato a retórica é uma arte;
mas,se não me engano, tenho ouvido algumas pessoas atacálae provar que ela não é isso, mas sim um negócio quenada tem que ver com a arte. O lacônio declara: “nãoexiste arte retórica propriamente dita sem o
conhecimen -to da verdade, nem haverá jamais tal coisa”. (Platao.
Diálogos. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.)
A
partir da leitura do diálogo “Fedro”, responda às questões 1 e 2.
1.
Neste fragmento de um dialogo de Platão,
as personagens Sócrates e Fedro discutem a respeito da relação entre a arte
retórica, isto e, a arte de produzir discursos, e a expressão da verdade por
meio de tais discursos. Trata-se de um tema ainda atual. Aponte a única
alternativa que expressa um conteúdo não abordado pelas duas personagens no
fragmento.
a)
A produção de bons discursos.
b)
A formação do orador.
c)
A natureza da Filosofia.
d)
O poder persuasivo da oratória.
e) A retórica como
arte de criar discursos.
2.
Após uma leitura atenta do fragmento do dialogo Fedro,
pode-se
perceber que Sócrates combate, fundamentalmente, o argumento dos mestres
sofistas, segundo o qual, para fazer bons discursos, e preciso
a)
evitar a arte retórica.
b)
conhecer bem o assunto.
c)
discernir a verdade do assunto.
d)
ser capaz de criar aparência de verdade.
e) unir a arte
retórica a expressão da verdade.
APRENDENDO MAIS
3. Marque a
alternativa que está de acordo com a célebre frase de Cícero: “Sócrates foi o
primeiro que desceu a filosofia do céu e colocou-a nas cidades, e, também,
introduziu-a nas casas e obrigou-a a indagar sobre a vida, os costumes e sobre
as coisas boas e más.” (Tusculanae, 5,4)
A) Cícero
refere-se ao fato de que Sócrates fundamentou toda a filosofia grega na teoria
das
Idéias de Platão.
B) Cícero afirma
que, graças a seu método empirista, Sócrates retirou as características
mitológicas da investigação filosófica.
C) Segundo Cícero,
Sócrates foi o primeiro a alterar a temática da filosofia grega, mudando o foco
das investigações cosmológicas para o domínio das coisas humanas.
D) Cícero
refere-se à grande inovação introduzida por Sócrates em Atenas, a saber: ministrar
aulas de filosofia nas próprias casas de seus discípulos.
4. UNICAMP 2013. A sabedoria de Sócrates, filósofo
ateniense que viveu no século V a.C., encontra o seu ponto de partida na
afirmação “sei que nada sei”, registrada na obra Apologia de Sócrates. A frase
foi uma resposta aos que afirmavam que ele era o mais sábio dos homens. Após
interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou à conclusão de que ele
se diferenciava dos demais por reconhecer a sua própria ignorância. O “sei que nada sei” é um ponto de partida
para a Filosofia, pois
a) aquele que se reconhece como ignorante torna-se
mais sábio por querer adquirir conhecimentos.
b) é um exercício de humildade diante da cultura dos sábios
do passado, uma vez que a função da
Filosofia era reproduzir os ensinamentos dos filósofos
gregos.
c) a dúvida é uma condição para o aprendizado e a
Filosofia é o saber que estabelece verdades dogmáticas a partir de métodos
rigorosos.
d) é uma forma de declarar ignorância e permanecer
distante dos problemas concretos, preocupando-se apenas com causas
abstratas.
5.
O instrumento adotado por Sócrates
para o exercício de sua atividade filosófica foi o diálogo, e sempre com o
intuito de despertar em todos os homens, a importância de examinar sua vida e
suas ideias através da razão. Marque a alternativa que melhor representa o
“método socrático”.
a) Apesar de ser um dos maiores
pensadores de Atenas, jamais quis ensinar as pessoas a filosofar. Ele preferiu
escrever livros e discutir seus livros em público, por isso o nome de seu
primeiro projeto: A república.
b) Assim como os sofistas, ele se
utilizava de todas formas (razão, sentimentos, religião, cosmologias e etc.)
para convencer as pessoas sobre suas ideias, isto é, dizer o que a pessoa é e
do que ela precisa, a pessoa entendendo a resolução dos conceitos, elas vivem
suas vidas de acordo com os ensinamentos socráticos.
c) Sócrates construiu sua própria
escola, o Liceu, nela havia dezenas de alunos que, para fazer parte do corpo
estudantil, antes, Sócrates media a capacidade que a pessoa tem de filosofar.
Se a pessoa não soubesse de alguma coisa, então, ele não permite a matrícula.
d) A
afirmação de ignorância e ironia de Sócrates fazem parte de seu procedimento
geral de refutação por meio de perguntas e respostas breves e constituem um
meio de reverter o argumento do interlocutor para fazê-lo cair em contradição.
A refutação socrática revela a presunção de saber do adversário, pela
insuficiência de suas definições e pela aporia.
e) Sócrates agia como os sofistas tentando convencer as
pessoas de que a verdade era relativa e de fácil obtenção para todos.
6. Na Grécia antiga, principalmente
na cidade de Atenas no século V a.C., desenvolveu-se uma corrente de pensadores
conhecidos como Sofistas. Tidos como “sábios”, eram pagos para ensinar os
jovens principalmente a arte da
argumentação.
Abaixo, CONSIDERE as afirmações sobre a importância que esta (arte) tinha em seu
pensamento.
I – Os sofistas não acreditavam na verdade
absoluta, para eles o importante era conseguir convencer os outros de suas
ideias.
II – Os sofistas acreditavam que uma boa argumentação era a única
maneira de se chegar ao conhecimento da verdade absoluta.
III – Os sofistas acreditavam que através dos argumentos era possível se
chegar a melhor solução em cada caso.
A – Apenas a III é verdadeira.
B – Apenas a I é verdadeira
C – Apenas a I é falsa.
D – Apenas a II é verdadeira.
E – Apenas a II é falsa.
GABARITO
1C 2D 3C 4A 5D 6B
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